Acordo de Facilitação do Comércio da OMC – 1 ano | Da retórica à realidade

Consulta Pública Secex/RFB: Lei nova – prática antiga
27 de setembro de 2018

Omar Rached
Fernanda Sayeg
João Morais

Hoje, dia 22 de fevereiro de 2018 completou um ano que o Acordo de Facilitação do Comércio (AFC) da Organização Mundial do Comércio (OMC) entrou em vigor.

O tema de facilitação do comércio começou a ser abordado no Âmbito da OMC em 1996, ou seja, logo após a sua criação como instituição reguladora do comércio internacional. As primeiras negociações entre os países membro começaram em 2004 e foram concluídas em 2013, na histórica conferência ministerial de Bali. O AFC viria a ser o primeiro acordo internacional promulgado pela OMC e só entrou em vigor após a ratificação de mais de dois terços dos membros, o que aconteceu em 22 de fevereiro de 2017[1].

O AFC existe principalmente para reduzir o custo individual da operação de comércio internacional, através da redução da intervenção estatal no fluxo de comércio. Tem como objetivo reduzir a burocracia, exigências desnecessárias, ineficiência logística e dos processos aduaneiros. Estimula a cooperação entre aduanas, gestão aduaneira baseada em riscos, relacionamento cooperativo entre o setor público e privado e a transparência nas regras aplicadas aos processos de importação, exportação e trânsito de mercadorias.

Hoje, cerca de oitenta por cento dos países membro da OMC ratificaram o AFC. Esperam-se resultados econômicos impressionantes com a implementação completa desse acordo internacional, tal como a redução do custo individual das transações do comércio internacional em catorze por cento na média, o equivalente a um trilhão de dólares economizados, que podem incrementar o fluxo comercial e aumentar a lucratividade das transações internacionais.

O Brasil ratificou o AFC em março de 2016, embora o decreto de ratificação, a ser promulgado pelo congresso nacional, ainda não tenha sido publicado. Pelo menos em teoria, as provisões do AFC estão em pleno vigor, sendo as mais importantes a oportunidade de o setor privado opinar nas regras do comércio, transparência da administração pública no tocante ao direito amplo à defesa, imparcialidade, não discriminação e transparência.

Essas provisões, quando implementadas, se apresentam como um modelo fluido dos trâmites de importação e exportação, aplicação da janela única pelos diversos órgãos intervenientes, gestão prévia de riscos inerentes às mercadorias e a redução drástica da cobrança de custos acessórios não relacionados às mercadorias ou seu transporte[2]. Em síntese, a carga deve estar sempre em movimento, chegando a seu destino da forma mais rápida, segura e econômica possível. Será essa a realidade do Brasil?

De acordo com a informação que a nossa administração governamental proveu à OMC[3], praticamente todas provisões contidas no AFC já estão aqui implementadas nos colocando em situação de paridade com os países desenvolvidos[4]. Contamos com impressionantes 99,6%, o que destoa bastante da média das provisões implementadas pelos demais países em desenvolvimento, que é de 58,7%. Ainda que em teoria somos exemplo de rapidez, eficiência e simplicidade quando se trata de processos aduaneiros!

A chocante realidade

Ainda que possamos auspiciar dias melhores no futuro, vimos constatando uma triste realidade, muito distante das informações enviadas pela administração governamental à OMC. Após ter recebido a condenação das suas políticas comerciais, consideradas inadequadas diante das regras da OMC, o Brasil busca reverter a situação e melhorar sua imagem internacional de forma inadequada, sem base na vida real. Seguimos tendo problemas sérios com o setor portuário, envolvido em escândalos políticos, ocasionados pela própria característica de concessão estatal, cartelista e não sujeito à concorrência aberta.

Nossa aduana está insatisfeita, desmotivada e em parte reativa às iniciativas de modernização aduaneira incentivadas pelo AFC. Os demais órgãos intervenientes como o Mapa, Anvisa e Inmetro não demonstram integração nos processos aduaneiros e são reativos à mudança. A aduana, como um todo, não goza de boa reputação diante da população. A integração sistêmica entre os intervenientes, conhecido também pelo termo interoperabilidade no âmbito do projeto de janela única (single window), ainda é apenas uma ideia que não foi colocada em prática.

Nunca tivemos uma dificuldade tão grande para liberação de cargas, o que nos faz concluir que a implementação das provisões contidas no AFC ainda não foi feita e que a informação enviada pelo Brasil à OMC não condiz com a realidade.

A esperança imortal

Ainda que consideremos o exposto acima como uma aparente incoerência, precisamos notar algumas medidas positivas que foram tomadas por influência do AFC. Podemos destacar a implementação do novo sistema de exportação (DU-E), redução do tempo de resposta nas soluções de consulta aduaneiras, instituição do despacho sob águas para os operadores econômicos autorizados (OEA) e o OEA integrado, eliminação do pedido administrativo de retificação da declaração de importação, início da aplicação de conceitos de gestão de risco na aduana.

Embora as iniciativas ainda sejam poucas diante do universo do AFC, observamos que cada uma delas conta para o nosso progresso e aumento da competitividade. Faz-se necessário que estudemos o AFC a ponto de participar de forma ativa em sua implementação, não aceitando que a burocracia governamental imponha sua percepção equivocada sobre o acordo internacional. Relembrando: as maiores oportunidades de economia são oriundas da redução da intervenção estatal, quando desnecessária. A implementação de fato do AFC, além de necessária é um caminho sem volta que deve ser mais ainda fortalecido pelos futuros acordos de livre comércio que devem ser firmados em breve pelo Mercosul.

 

[1] https://www.wto.org/english/tratop_e/tradfa_e/tradfatheagreement_e.htm

[2] http://www.tfafacility.org/trade-facilitation-agreement-facility

[3] https://www.tfadatabase.org/members/brazil

[4] https://www.tfadatabase.org/implementation